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Do Império Romano ao Copo Stanley: entenda o papel do chumbo na sociedade

01 Fev 2024

O chumbo entrou em pauta nas redes sociais esta semana. O responsável por isso? O copo Stanley, objeto que se tornou febre por manter as bebidas por muito tempo geladas, mesmo sob o calor escaldante das praias no verão.

Uma trend nas mídias sociais nos EUA onde os usuários faziam teste caseiro para averiguar se haveria metais pesados na composição de produtos levou muitos a notar que os produtos Stanley testaram positivo para a presença do chumbo.

 Em nota ao jornal O Globo, a fabricante confirmou que os copos Stanley têm chumbo em sua composição. O metal é utilizado para vedar a base do copo, mas, segundo a empresa, está protegido por um revestimento de aço inoxidável que impede o contato direto com o consumidor. 

 “A Stanley esclarece que não há chumbo em parte alguma da superfície de seus produtos que entre em contato com o consumidor, ou com líquidos e alimentos que estejam sendo consumidos. A marca utiliza um processo de fabricação que segue o padrão global da indústria para realizar o selamento na parede externa e garantir o isolamento a vácuo. Este material de vedação inclui uma parcela de chumbo em sua composição. No entanto, uma vez selada, esta área é coberta por uma camada não removível de aço inoxidável, tornando-a inacessível aos consumidores.”

Do Império Romano ao Copo Stanley: entenda o papel do chumbo na sociedad

Copo Stanley possui chumbo. Crédito; Divulgação

Mas, afinal, por que a presença de chumbo no copo preocupa tanto?

Segundo site da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) que busca informar a população sobre os riscos da exposição ao chumbo, este metal está presente na produção de plásticos, baterias, cabos elétricos, tintas, canos e muitas outras coisas fabricadas pela indústria. Porém, apesar de sua utilidade, o chumbo pode apresentar perigos para o desenvolvimento e a saúde de crianças e adultos. 

O projeto do LEHCA (Laboratório de Análises da Exposição Humanas a Contaminantes Ambientais) da FSP-USP aponta que, quanto mais chumbo presente, diferentes problemas de saúde vão aparecendo. [AN1] 

O projeto destaca que uma forma de se proteger de uma possível exposição ao chumbo é ficar atento a objetos do cotidiano como brinquedos, utensílios de cozinha, joias e cosméticos e dar preferência para aqueles com certificação de qualidade, ou seja, aqueles que seguem os padrões definidos por regulamentações, além de afastar das crianças brinquedos descascando ou de procedência desconhecida.

Os usos do chumbo através do tempo

O Centro Estadual de Vigilância em Saúde do estado do Rio Grande do Sul (CEVS-RS) define o chumbo como um elemento químico da classe dos metais pesados que pode assumir diferentes formas, sendo elas o chumbo metálico (um metal cinza-azulado extraído de minérios naturais da crosta terrestre), ou os compostos de chumbo – compostos orgânicos ou inorgânicos obtidos através da combinação do chumbo com outros elementos químicos.

Entre as diversas atividades humanas que envolvem esse metal pesado, o CEVS-RS enumera as seguintes: 

  •     Medicina e ciência: proteção contra raios X.
  •     Automóveis: material de revestimento e baterias.
  •     Elétrica: cabos revestidos e acumuladores elétricos.
  •     Construção: canos, soldas e lâminas.
  •     Plásticos: fabricação de PVC.
  •     Pigmentação: tintas, corantes, esmaltes e maquiagem.
  •     Fotografia: fotopolimerização e sensibilizador.
  •     Armamentos: munição e explosivos.
  •     Mineração: extração comercial de chumbo e lapidação de pedras preciosas.
  •     Pesca: chumbada de pesca.

Além dos usos modernos, dados da Royal Society of Chemistry (RSC), sociedade científica do Reino Unido apontam que o chumbo é minerado há mais de 6.000 anos, sendo o metal e seus compostos utilizados ao longo da história humana. 

Pequenas pepitas de chumbo foram encontradas em civilizações pré-colombianas do Peru, da Península de Iucatã e na Guatemala. Já os gregos mineravam em larga escala o metal pesado, usando-o para preparar o Alvaiade, o carbonato básico de chumbo, material utilizado como base para tintas por mais de 2.000 anos, até a metade do século passado.

Os romanos foram os que mais amplamente utilizaram o chumbo, minerando-o principalmente no que hoje é a Espanha e na ilha da Grã-Bretanha.

Conforme texto publicado pelo Conselho Regional de Química – IV Região (CRQ-IV/SP), o chumbo foi um dos primeiros metais utilizados pelo homem e há séculos se faz presente no cotidiano. A peça de chumbo mais antiga já encontrada é de 3.800 a.C..Há registros de que os chineses extraíam e produziam o chumbo na forma metálica em 3.000 a.C. e os fenícios exploravam seus depósitos minerais na Espanha desde 2.000 a.C..

Império Romano, aponta o CRQ, teria sido a primeira civilização a explorar extensivamente os depósitos de chumbo no século V a.C., utilizando as reservas da Península Ibérica para fabricar objetos, como taças e utensílios, tubulações e torneiras, produtos de beleza e até na correção da acidez do vinho, através da adição de óxido de chumbo.

Inclusive, curiosamente, como herança do período do Império Romano, a palavra na língua inglesa utilizada até hoje para “encanamento”, plumbing, vem do latim “plumbum, que em português significa chumbo!

Segundo o CRQ-IV/SP,  o interesse pelo chumbo ao longo da história e até os dias atuais deve-se às suas propriedades: boa maleabilidade, baixo ponto de fusão, resistência à corrosão, alta densidade, opacidade aos raios X e raios gama e estabilidade química no ambiente. Essas características permitem seu uso em variadas tecnologias, como a fabricação de lâminas ou canos de alta flexibilidade e resistência, em soldas e revestimentos na indústria automotiva, em placas protetoras contra radiações ionizantes (raios X), em ligas metálicas, revestimento de cabos, tintas, pigmentos e aditivos plásticos.  

E, atualmente, o uso do metal se concentra, principalmente, na fabricação de baterias de chumbo-ácido para automóveis. Essas baterias são constituídas por placas de chumbo metálico e podem ser recarregadas por funcionarem por meio de reações químicas reversíveis. Esse uso cresceu bastante, enquanto o uso do tetraetil-chumbo como antidetonante na gasolina, foi reduzido devido a problemas ambientais e de saúde pública.

A devida atenção à saúde pública quando se fala de chumbo é importantíssima. Segundo o CRQ, alguns estudos apontam como uma das possíveis causas da queda do Império Romano a contaminação do chumbo, devido ao alto grau de intoxicação da população e seus efeitos, que possivelmente ocasionaram a desorganização do império ao longo dos anos e os problemas de reprodução humana.  

O chumbo e a mineração na atualidade

A galena (PbS) é o principal mineral do qual o chumbo é extraído, além da anglesita (PbSO4) e a cerussita (PbCO3), que são minerais formados naturalmente a partir de alterações da galena. 

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) mostram que, em 2017, as reservas mundiais de chumbo atingiram 88 milhões de toneladas e as brasileiras somam 595 mil toneladas, representando 0,7% da reserva global. A produção mundial de concentrado de chumbo em 2017 alcançou 4,6 milhões de toneladas de metal contido, uma queda de 2,8% em relação a de 2016. Os principais produtores mundiais de chumbo primário costumam ser os detentores das maiores reservas e suas produções em 2017 foram: 2,2 milhões de toneladas na China, 459 mil toneladas na Austrália, 310 mil toneladas nos Estados Unidos da América (EUA), 307 mil toneladas no Peru, México 243 mil toneladas e 200 mil toneladas na Rússia. A produção brasileira em 2017 de concentrado de chumbo, em metal contido, foi de 7 mil toneladas, representando 0,1% da produção mundial.

Segundo o CRQ-IV, o chumbo pode ser utilizado na forma de metal puro ou associado a outros metais, com variadas composições químicas. A produção do chumbo metálico é realizada genericamente em três etapas. A primeira é o beneficiamento do mineral para eliminação de impurezas e pré-concentração, a segunda e a terceira envolvem o aquecimento do mineral a altas temperaturas (sinterização e fundição, respectivamente), transformando o sulfeto de chumbo em óxido de chumbo e posteriormente em chumbo metálico. E mostra que há também a  reciclagem de objetos que contêm chumbo, feita, principalmente, a partir de baterias usadas industriais e de automóveis.

Cuidados com o Chumbo

Observa-se a importância que o Chumbo tem na história da humanidade e a sua utilidade nos mais diversos tipos de atividade. Entretanto, devido à sua toxicidade, deve-se sempre estar atento e tomar os devidos cuidados com o material, além de observar regulamentações – como a da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o uso do chumbo em cosméticos ou a do Inmetro sobre o uso de chumbo em bijuterias e joias – e se o que se compra segue essas regulamentações para, assim, evitar a contaminação pelo material e suas possíveis consequências.

 

*Com informações de O Globo, FSP-USP, CEVS-RS , Conselho Regional de Química – IV Região (CRQ-IV/SP), RSC e ANM

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