Lítio, o mineral que também salva vidas
Como o carbonato de lítio se tornou item importante em tratamentos orientados pela psiquiatria moderna
Você já deve ter ouvido falar do lítio quando o assunto são as baterias recarregáveis de dispositivos eletrônicos – casos de celulares, notebooks, tablets e câmeras. Mais ainda agora, quando a busca de fontes alternativas de energia para substituir os combustíveis fósseis disparou uma corrida por esse elemento químico, que passa a ser empregado também na fabricação das baterias dos carros elétricos. De fato, o lítio é um material versátil, com ampla gama de aplicações em diferentes setores da economia. Mas, você sabia que a mais tradicional delas é na indústria farmacêutica, com sua bem-sucedida utilização nos medicamentos psiquiátricos?
Em primeiro lugar vamos saber mais sobre o lítio. É um elemento químico, um metal alcalino, representado na tabela periódica pelo símbolo Li e número atômico 3. Embora seja encontrado em minerais, como o espodumênio, não é o mineral em si, mas sim um elemento químico que faz parte da composição desses minerais.
Vamos voltar à pergunta anterior: o carbonato de lítio é um medicamento usado há décadas para estabilizar o humor de pacientes com transtorno bipolar – a condição que causa alterações extremas entre euforia e depressão. Os resultados têm sido tão bons que o lítio é considerado o mais simples e o mais eficiente agente terapêutico da psiquiatria, sendo altamente eficiente na prevenção de suicídios. Assim, não é errado dizer que o lítio, literalmente, salva vidas.
O lítio atua no cérebro humano regulando os níveis de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, que estão diretamente envolvidos na regulação das emoções. Além disso, também tem propriedades neuroprotetoras, ou seja, ele ajuda a prevenir a degeneração das células nervosas. Por isso, esse mineral também vem sendo estudado para o tratamento de outras doenças neurológicas, casos do Alzheimer, do Parkinson e da esclerose múltipla. No entanto, esse é um caminho longo a ser percorrido, pois ainda serão necessários mais estudos e pesquisas para comprovar a eficácia e a segurança do uso do lítio nessas condições.
Como dito, o lítio é um metal alcalino, ou seja, um dos elementos da primeira coluna da tabela periódica, ao lado do hidrogênio e do hélio. Os cientistas acreditam que essa tríade tenha sido criada com o Big Bang, a origem do universo. Trata-se do metal mais leve e menos denso que existe. Menores que o lítio, apenas o hidrogênio e o hélio, que são gases.
Os principais produtores mundiais de lítio são a Austrália, Chile, China e Argentina. Ainda na América do Sul, é encontrado em abundância também nas salinas da Bolívia. O Brasil possui boas reservas de lítio, principalmente nos Estados de Minas Gerais e Ceará.
Linha do tempo
Curiosamente, a história do lítio na medicina começou muito tempo atrás. Em seu livro sobre a tabela periódica, o professor e filósofo James M. Russell afirma que os registros do uso terapêutico desse elemento remontam ao século 2 d.C., quando o médico grego Sorano de Éfeso recomendava banhos em cachoeiras de águas alcalinas para as pessoas que sofriam de “manias e melancolia”. Já no final do século 19, o lítio voltaria a ser utilizado para o tratamento de “gota e reumatismo”. Isso porque sua presença foi detectada nas águas de várias estações hidrominerais europeias, e muita gente passou a atribuir a isso a eficácia dos tratamentos em spas.
Já nos anos 40, os americanos começaram a usar o lítio para substituir o sódio – outro metal alcalino, presente no sal marinho e, portanto, nos saleiros de todas as famílias – como forma de se evitar hipertensão arterial, problemas cardíacos e insuficiência renal. Ocorre que muitas pessoas se intoxicaram e algumas até morreram, o que levou o governo a retirá-lo de todas as farmácias, lojas e até de uma conhecida marca de refrigerante, o Seven-Up.
Mais tarde, os cientistas descobriram haver uma “janela terapêutica” entre um limite mínimo (no qual o lítio não é eficaz) e um máximo (no qual o lítio é tóxico) em que o elemento pode ser usado com eficiência e segurança. E, ainda, comprovaram que era possível medir a quantidade de lítio no sangue dos pacientes e assim evitar a intoxicação. Hoje isso é possível por um simples exame de saliva, capaz de indicar a quantidade de lítio circulante no fluido cérebro-espinhal, o que evita exames de sangue constantes. No entanto, até hoje a adesão ao lítio em pacientes psiquiátricos nos Estados Unidos é mais baixa que em outros países.
Na psiquiatria
O lítio foi introduzido na prática psiquiátrica em 1949 por John Cade, um então jovem e desconhecido psiquiatra australiano. Veterano da 2ª Guerra Mundial, ele trabalhava em um hospital de Melbourne, sem treinamento formal, sem bolsa de estudos e sem colaboradores. Dizem que seu laboratório ficava na cozinha do hospital – e até há quem diga que sua descoberta ocorreu por acaso.
Vale lembrar que, até então, as doenças mentais não eram tratadas com medicamentos. Os tratamentos eram feitos mediante internações em hospitais psiquiátricos onde eram aplicadas sedações, feitas induções ao coma e aplicados choques elétricos, podendo chegar até à temível lobotomia – a retirada de uma parte do cérebro.
Cade começou a administrar urato de lítio a cobaias e percebeu que elas ficavam relaxadas. Como ele havia misturado lítio ao ácido úrico, atribuiu o fato ao ácido úrico e não ao lítio. Ele, então, formulou a hipótese de que o ácido úrico poderia desempenhar um papel chave nos tratamentos – o que, depois, se revelou equivocado. Após testar outros sais, John Cade não obteve o mesmo resultado e deduziu que havia sido o lítio que havia melhorado a condição de seus pacientes.
Desde 1975, este elemento vem sendo utilizado na prevenção de várias doenças maníaco-depressiva, por cerca de 1% da população do mundo todo. O lítio tem se mostrado muito eficiente no tratamento de casos de depressão, podendo ser utilizado com outros antidepressivos.
Curiosamente, mesmo com sua ampla utilização na psiquiatria, não há consenso sobre seu mecanismo de ação no corpo humano. Novos experimentos estão em andamento e acredita-se que o desenvolvimento da biologia molecular e da genética poderão esclarecer, no futuro, o mecanismo de ação desse notável pequeno íon, uma vez que as doenças psiquiátricas podem se originar de informações transmitidas pelos genes.[1]
* Com informações de BBC News Brasil, CRQ-SP (professor Antônio Carlos Massabni/Unesp) e sites Sinergia Científica e Scielo Brasil