Poeira do Saara ajuda floresta amazônica a se regenerar após queimadas
Partículas contendo minerais essenciais viajaram 5 mil quilômetros até a América do Sul. Elas podem influenciar tanto a fertilidade do solo quanto a formação de nuvens
Você consegue imaginar partículas de poeira subirem aos céus no deserto do Saara, lá no norte da África, atravessarem o Oceano Atlântico a 5 mil metros de altitude e, alguns dias depois, se depositarem por conta própria na Amazônia? Pois saiba que isso costuma acontecer.
E, neste ano, aconteceu três vezes – entre os dias 13 e 18 de janeiro, de 31 de janeiro a 3 de fevereiro e de 26 de fevereiro a 3 de março. E, melhor ainda, nos três casos vieram com um bônus: elementos minerais essenciais, como ferro, cálcio e fósforo, que haviam sido perdidos com as queimadas no continente sul-americano.
A constatação é de pesquisadores que vivem e trabalham no Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês), localizado no coração da floresta amazônica, em São Sebastião do Uatumã (AM). Os cientistas ainda investigam os efeitos diretos do fenômeno, mas já sabem que ele influencia tanto a fertilidade do solo quanto a formação de nuvens.
O observatório é dotado de três gigantescas torres que sobem bem acima da copa das árvores – duas com 80 metros e uma com 325 metros de altura, o equivalente a um edifício de 100 andares. Equipada com sensores que monitoram a composição do ar na atmosfera da floresta 24 horas por dia, esta última captou a presença desses elementos naturalmente escassos nos solos da região, mas fundamentais para recuperar a floresta após as queimadas.
A ATTO foi construída para monitorar fenômenos atmosféricos e estudar a interação entre a floresta e a atmosfera. O projeto, ao custo de 8,4 milhões de euros (cerca de R$ 50 milhões), foi financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Governo do Amazonas e pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa da Alemanha.
Zona de Convergência Intertropical
O pesquisador Rafael Valiati explica que a chegada à Amazônia dos aerossóis com origem no Saara depende de muitos fatores, “desde a quantidade de poeira emitida lá no deserto, os padrões dos ventos predominantes, e a quantidade de precipitação. A Zona de Convergência Intertropical favorece o transporte do Saara para a Amazônia apenas no início do ano”, diz.
O coordenador da pesquisa, doutor em Ecologia Florestal Alberto Quesada, acrescenta que “existem correntes de ar muito altas que chamamos de correntes de jato, que geralmente são aproveitadas por aviões para capturar ventos. Quando as partículas de poeira atingem o topo, são transportadas por longas distâncias. Isso é muito comum”, disse ao G1.
Desta forma, a poeira viaja entre dois e cinco quilômetros de altitude, levada por ventos fortes e secos que atuam sobre o Saara. Ela cruza o Atlântico quando a Zona de Convergência Intertropical está mais ao sul, o que costuma ocorrer no verão do hemisfério sul. O tempo de transporte das partículas depende da velocidade dos ventos, mas costuma levar entre sete e 14 dias.
Os pesquisadores salientam que, embora possa afetar a qualidade do ar na floresta, a quantidade de minerais observada não prejudica a respiração da população local, diferente do que ocorre na Europa. Outro aspecto importante é que o fato de ter ocorrido três vezes em 2025 não indica uma intensificação do fenômeno, mas pode indicar mudanças climáticas em curso desde o início da década.
Além de influenciar na fertilidade do solo, os cientistas acreditam que o fenômeno do transporte de minerais possa influenciar também na formação de nuvens.
Fonte: G1 e Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação